OS 25% DE ACRÉSCIMO OU REDUÇÃO SITUAÇÕES QUE DÃO O QUE PENSAR

OS 25% DE ACRÉSCIMO OU REDUÇÃO SITUAÇÕES QUE DÃO O QUE PENSAR

 

Ivan Barbosa Rigolin

(mar/25)

 

I – Volta à baila o imensamente exercitado dispositivo da lei de licitação que permite ao ente contratante acrescer ou reduzir em até 25% (vinte e cinco por cento) o valor inicial atualizado dos contratos administrativos.  Na Lei nº 8.666/93 era o § 1º do art. 65, e nesta atual Lei nº 14.133/21 é o art. 125, nas mesmas bases.

Instituto velho conhecido de quem trabalha no ramo – contratante ou contratado, ou ainda militante ou estudioso da matéria -, nem por isso a prática de décadas esgotou as questões singulares ou curiosas que o assunto suscita.  Licitação, como o namoro,  é sempre excitante, antes de que sobrevenha o contrato-casamento ...

Algumas daquelas situações pouco comuns se ventilam a seguir.

 

Primeira situação

Contratos por estimativa de demanda. O registro de preços

 

II – A regra dos contratos é a de que tenham o preço fixado e definitivo quando da celebração. Isso não quer dizer irreajustável, mas simplesmente certo e conhecido, expresso em algarismos e não em previsões, expectativas ou profecias.

Certos objetos, entretanto, não têm como ser prefixados em quantidades e em valores certos, porque a demanda é imprevisível – e isso não é defeito, mas característica.

Fornecimento de vacinas ou insumos contra epidemias são um exemplo. Ninguém adivinha quanto disso será necessário dentro de certo período, porque as malditas pragas que exigem remédios – quando não são fabricadas - não o informam com antecedência a ninguém.

Serviços de publicidade, geralmente idem, nenhum visionário conseguindo precisar o que será pedido dentro do exercício, ou além dele. E como esses exemplos inúmeras outras hipóteses existem de necessidades públicas cuja dimensão, urgência e prioridade é virtualmente impossível adiantar e planilhar.

O consagrado sistema do registro de preços  constitui o mais eloquente exemplo de necessidades – reais no momento e/ou apenas potenciais no futuro – imponderáveis da Administração.

Monta-se o RP hoje para atender possíveis e muito prováveis demandas do amanhã, cuja dimensão e prioridade, dentro do universo das necessidades públicas,  é impossível aquilatar neste momento  – e demandas essas que talvez, contrariando o esperado, nunca venham a acontecer.

Registro de preços é portanto um procedimento auxiliar às licitações que trabalha sobre expectativas de consumo, e estimativas de demandas e de quantidades. A quantidade máxima exigível do detentor da ata de itens do RP pode e deve estar fixada no edital, mas nunca o quantitativo mínimo  a ser contratado, que no RP é sempre 0 (zero).

O máximo de cada item deve estar fixado no edital para orientar os licitantes, de maneira a não permitir que pequenos ou médios fornecedores sagrem-se vencedores de certos itens e depois o pedido seja  tão imenso que eles não o possam atender.  Máximo exigível – previsão necessária sempre; mínimo exigível – não existe, sendo sempre zero.

Muito bem, aplica-se o art. 125 da lei de licitações  aos contratos resultantes de registro de preços, após firmados ?    Resposta: sim.

Após firmado o contrato, pouco importa se ele resultou de registro de preços ou de licitação comum, ou mesmo de contratação direta: aplicam-se-lhe as regras legais incidentes sobre contratos, indiferenciadamente.

Não se aplica o art. 125 da lei à ata de registro de preços, porque a ata não é propriamente um contrato, mas uma expectativa de contrato, ou um contrato de expectativa de fornecimento, e não se podem aplicar ojetivos acréscimos percentuais de quantidades ou de valores a meras expectativas de demandas.

Ata de RP é mera expectiva de fornecimento, e não existe regra legal, nem sequer lógica, que imponha a expectativas de fornecimento uma obrigação de aceitar 25% a mais ou a menos nos quantitatitvos – exatamente porque estes não são conhecidos.  E RP não é jogo de tarô, ou de búzios, ou arte de adivinhação.

Exemplificando, se alguém detém a ata de fornecimento de papel sulfite, e se decorrente disso ele contrata o fornecimento de mil resmas dentro de dois meses, esse contrato de mil resmas pode, no curso de sua execução, ser acrescido de até 25%, ou reduzido em até 25% dos quantitativos, e, consequentemente, do valor.

O fato de ter sido originado de RP em nada interfere nessa possibilidade, porque, após assinado, o contrato é comum e sem qualquer diferença de um contrato que tivesse sido licitado com esse objeto.  Não é a existência de RP que interfere na vida do contrato que dele se origina.

 

III – Ventilado  o registro de preços, imaginemos outras situações de objeto contratual estimado e não prefixado.

Publicidade. Este complicadíssimo objeto, licitado na forma de uma lei que foi redigida aparentemente para não ser compreendida – lembra fórmula ou receita de alquimia, das mais cabeludas  – em geral reúne apenas expectativas, previsões, planejamentos, ideias, tudo a ser ocasional e oportunamente plasmado em projetos concretos e objetivos, e então contratados preto no branco.

 A lei anterior de licitações proibia a caracterização de inexigibilidade para serviços de publicidade, e a lei atual repete a proibição. Há de ser licitado o contrato portanto, ainda que cercado dos referidos mistérios e brumas, como era o fog  londrino há um século ou, mais remotamente na história de Albion (séc. V ou VI), a possivelmente lendária ilha de Avalon, que as névoas alternadamente cobriam e descobriam, emprestando-lhe a fama de ilha-fantasma.

Nesses contratos genéricos e permissivos de muitas alternativas de execução – porque nem sempre o contrato é  assim – com muita frequência o objeto é meramente delineado  dentro de genéricas previsões, as quais a cada momento de necessidade  do ente público contratante, e como se disse, é materializado em documentos, planilhas, quadros e o que mais seja necessário para objetivar em concreto o que era apenas uma genérica previsão anterior.

Então a questão é :  aplicam-se os 25% a mais ou a menos ao genérico contrato de publicidade ?   Resposta: não, porque não se pode aplicar uma conta matemática e objetiva a um mero planejamento abstrato. Não se misturam alhos com bugalhos – sejam lá bugalhos o que forem.

Se, porém, desse modo acima e daquele planejamento abstrato resultar um contrato concreto, objetivo, quantificado e inequívoco, então a esse “contrato-filho” pode-se aplicar a previsão do art. 125 da Lei nº  14.133/21.

Contrato de festividades, conclaves, encontros, reuniões, congressos, seminários, simpósios e eventos similares. Se estes prováveis objetos, em tese de interesse do ente contratante numa agenda que ainda não foi definida em caráter final, forem assim genérica e aleatoriamente contratados num contrato de mera expectativa de demanda, então ao contrato genérico não existe modo objetivo de aplicar os 25% a maior ou a menor, eis que não se aplicam regras materiais a objetos imateriais.

Porém, na medida em que cada um daqueles eventos seja requisitado pelo contratante, então para executá-lo será preciso plasmá-lo em documentos objetivos e visíveis em seus contornos e em suas características, sem brumas de Avalon nem nevoeiros da Serra do Mar.

E então, a esse  “contrato-filho”, após celebrado e se assim for desejado,  torna-se perfeitamente aplicável o acréscimo ou a redução de 25%, porque a regra matemática se estará aplicando a um contrato explícito e definido.

 

Segunda  situação

Licitações internacionais

 

IV – Nas licitações internacionais – e isto não é de hoje, e não poderia ser nem ter sido diferente – quem paga a conta dita a regra.   E a lei daqui, ou a lei dali ...   ora, a lei ...

Tal seria imaginar que o patrocinador de algum contrato no país, com a licitação internacional que o antecedesse, se sujeitaria à nossa lei, observando-a atentamente como fazem os licitantes em licitação nacional paga com dinheiro brasileiro..   jamais !

Quem patrocina o certame e o contrato dita as regras, como o dono do campo, dos uniformes e da bola: - ou fazem como eu quero ou não há jogo.

As duas últimas leis nacionais de licitação e contrato  administrativo dizem isto acima de modo diplomático, polido e cavalheiresco.

Na revogada Lei nº 8.666/93 o art.  42 informava que ‘Nas concorrências de âmbito internacional o edital deverá ajustar-se às diretrizes da política monetária e do comércio exterior e atender às exigências dos órgãos competentes.”

Na atual Lei nº 14.133/21 o art. 52 simplesmente repetiu aquele art. 42 da lei revogada.  Iria bulir nesse vespeiro ?..

Mas devem desde logo ser separadas as licitações internacionais com custeio estrangeiro daquelas com custeio brasileiro.

Quanto às primeiras acima citadas, verba estrangeira, o único que se pode recomendar aos gestores, operadores, auxiliares ou participantes brasileiros de licitações internacionais pagas por recursos estrangeiros  é tentar convencer o autor do edital a nele inserir dispositivo como o art. 125 da Lei nº 14.133/21, que prevê a obrigação de o contratado aceitar acréscimos ou  reduções em até 25% do valor inicial atualizado do objeto.

O edital internacional contendo a regra, torna-se imponível ao contratado.   Não contendo, parece inaplicável, por mera falta de autorização. A concessão (para maior) ao contratado possivelmente violaria o princípio da igualdade, sem dizer do da legalidade, já que o edital é a lei interna da licitação.

Agora as licitações internacionais pagas com verba brasileira. (E elas são internacionais apenas porque o edital foi publicado também no estrangeiro, porque em tese toda licitação é internaconal, na medida em que licitantes estrangeiros  se atenderem os requisitos de habilitação poderão participar, vencer e ser contratados.)

Muito simples é a resposta neste caso: se o edital contiver a aplicabilidade do art. 125 da lei de licitações, então os 25% a mais ou a menos são imponíveis ao contratado. Ou, então, basta que o edital informe que a lei de regência é a lei brasileira de licitações – mesmo que apenas no que for cabível -, e só com isso a regra já se aplica.

Terceira possibilidade: licitação internacional custeada  parte com recurso estrangeiro e parte brasileiro. Para que a regra dos 25% seja aplicável o edital deve consigná-la expressamente, ou de outro modo declarar  aplicável o art. 125 da lei atual de licitações. Um acordo quanto a isso entre os financiadores, brasileiro e estrangeiro, será o meio de definir.

 

Terceira situação

Contratações diretas

 

V – Aqui já não se cuida de licitações mas de contratos diretos, celebrados  com dispensa ou inexigibilidade de licitação, dentro das hipóteses constantes dos arts. 74 e 75 da Lei nº 14.133/21.

O primeiro que chama a tenção é que os 25% foram inventados para se aplicar a contratos licitados, como uma possibilidade excepcional à inalterabilidade dos objeto, conforme o edital o previu.

Trata-se de uma exceção legal, a que todos os licitantes se sujeitam – e que em verdade é desejada pela sua totalidade, uma vez que o dispositivo é acionado quase que invariavelmente para demandar mais quantidades ao contratado, e não menos.

Iniciando pelo início – consoante imorredoura advertência  do conselheiro Acácio -, o art. 74 consigna as hipóteses de contratação em que a lei declara inviável a competição, e com isso inexigível a licitação. É uma listagem exemplificativa e não fechada ou taxativa como a lista do art. 75  (e muitíssimo mais complicada e perigosa na prática do que a sua singela redação sugere).

Nesse artigo não se enxerga hipótese em que seja proibido aplicar os 25% a mais ou a menos, do art. 125 da lei de licitações.

Todas as contratações ali consignadas são suscetíveis de ter quantitativos e, consequentemente,  valores aumentados ou reduzidos em até 25%, simplesmente porque não existe motivo ou razão material ou lógica que impeça a aplicação do art. 125.

Diferente é o caso do art. 75, das licitações dispensáveis. O rol aqui já é fechado e taxativo, diferentemente da lista aberta do art. 74.

A quase totalidade das hipóteses admite perfeitamente a aplicação do art. 125, mas as únicas que despertam discussão entre os aplicadores e os estudiosos são as dos incs. I e II, dispensas por valor, e a da al. c do inc.IV, todos  do artigo.

Os incs. I e II dispensam licitação para contratos de até o valor atualizado que a lei consigna; e a al. c do inc. IV l imita o contrato direto ao valor, também atualizado, que ali consta. Tais valores são atualizados por decreto anualmente, e antes que o aplicador os decore já mudaram ...  deixemo-los para lá, portanto.  Valores legais, como as paixões, são muito passageiros.

O raciocínio é o de que se a dispensabilidade se deu apenas em face do valor limitado, então não teria lógica após a contratação fazer ultrapassar aquele valor-limite, mesmo que de outra forma autorizado na lei.

Essa tese faz sentido, mas vendo a situação por outro lado não existe na lei sequer remota menção a uma proibição como tal. 

Então, o contrato é celebrado diretamente porque a lei autorizou. Depois de celebrado, seja qual tenha sido o valor admitido pela lei (art. 75), o contrato se acresce em 25% de valor inicial atualizado, também porque isso foi autorizado em outro momento da lei (art. 125).

São dois fundamentos legais distintos, e se a lei não restringe o acréscimo não cabe ao aplicador distinguir, eis que ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus. Se a lei não conecta ou não prende os dois fundamentos a um limite, poderá fazê-lo o aplicador ?

Entendemos que não.

Com toda a vênia do gentil leitor, neste positivista e explícito direito brasileiro parece muito difícil tecer ou invocar proibições ou restrições de direitos que não estejam plasmadas expressamente na lei.

Nada se proíbe nem se restringe por analogia, por sistematicidade, por teleologia ou por qualquer método interpretativo: proibição é regra que ou está escrita com todas as letras ou simplesmente não existe.

Mas o assunto, seja reconhecido,  dá pano para manga ([1]).

 

Quarta  situação

Licitações por maior retorno econômico

 

VI – Maior retorno econômico é um critério de julgamento de licitações, enumerado no art. 33, inc. VI, e detalhado no art. 39, ambos da lei nacional de licitações. Presta-se a toda natureza de objeto, dentre obras, serviços e compras

Reza o art. 39 que será utilizado apenas em licitações de contratos de eficiência, ou sejam aqueles que consideram vencedora a proposta que, dentre todas as classificadas,  consigne maior economia ao ente contratante.   Então, coerentemente,  a remuneração do contratado será calculada proporcionalmente àquela economia que a sua atuação ensejou, tudo na forma do edital e das propostas apresentadas.

O edital indica a despesa prevista originariamente para pagar o objeto, e a proposta deve consignar preços que gerem economia com relação àquela prevista despesa, seja qual for o objeto, repita-se.    Cada objeto tem variáveis que permitem ao proponente oferecer preços que em seu conjunto tornem a despesa final menor que a prevista pelo ente licitador.

O edital (art. 39, § 2º) orientará como for possível e/ou usual o proponente na elaboração de sua proposta, a qual indicará o percentual sobre a economia proposta, fazendo resultar um total de preços que será comparado com o dos demais participantes, vencendo aquele cuja proposta redundar em maior economia de recursos ao contratante, sempre  tendo como referência a previsão originária da despesa.

Muito bem, após obtido o vencedor e este tendo sido contratado, então esse contrato se iguala a qualquer outro  com relação à aplicabilidade do art. 125 da lei de licitações: aplica-se a regra dos 25% a mais ou a menos, sem vacilação.

Não há porque diferenciar um tal  contrato de qualquer outro, para esse efeito. Não é o só fato de que a licitação foi por maior retorno econômico que inabilita o resultante contrato de sujeitar-se à regra do art. 125. 

A licitação, por árdua que tenha sido a sua concepção e a sua realização, gera contratos comuns e sujeitos às regras contratuais da lei, como o art. 125. 

Ninguém se olvide de que o mundo das licitações é um e se encerra em dado momento, e que a seguir se inicia o mundo dos contratos, que é outro e conta com suas regras próprias e inconfundíveis com as da licitação.

São províncias ou momentos  jurídicos em tudo diversos e, salvo previsão legal expressa, incomunicáveis ente si.

 

 

[1] Asseveram alguns picarescos hermeneutas que a lei admite ao menos três leituras: a minha, a sua e a certa.